24.6.21

chp apresenta


 O CALDEIRÃO MÁGICO

EDIÇÃO ESPECIAL

 

Uma produção problemática, um filme caro demais para sua época, um desastre nas bilheterias e a volta por cima como filme cult. O 25º longa animado na Disney estreou em 1985 e ficou 13 anos no esquecimento. Assustador demais para crianças e picotado na edição final, o ''Caldeirão mágico'' nasceu para ser um épico, queriam investir muita grana e tecnologia de ponta. Queriam reviver um estilo de animação que foi abandonado após ''A bela adormecida'' (1959), porque esses filmes eram caros demais e Walt Disney queria investir sua grana na TV e em seu parque temático. Nos anos 80, a prioridade da Disney eram os filmes em live action, foi uma época difícil para se lançar uma animação deste porte. Eu conheci o ''Caldeirão mágico'' através de uma HQ porque, naquela época, a Disney estava fingindo que o filme não existia.



Ah, rapaz, a HQ (um tipo de ''Almanaque Disney'' lançado no Brasil) trazia um poster lindão na capa. A Disney nunca mais usou esse poster incrível (acima). Eu estava sempre relendo essa HQ, de certa forma ela me ajudou quando finalmente vi o filme, preenchendo algumas lacunas.
 
 
 ORIGENS

O filme foi baseado numa série de cinco livros escritos por Lloyd Alexander entre os anos de 1964 e 1968, são chamados de ''As crônicas de Prydain''. A Disney adquiriu os direitos para uma adaptação em 1971. O projeto ficou engavetado até o final da década. Quando a produção finalmente teve início, uma roteirista foi contratada para adaptar os dois primeiros livros e colocá-los num único filme de 90 minutos. 

 

PERSONAGENS

Taran é o protagonista do filme. Ele quer ser um cavaleiro, quer lutar em grandes batalhas, talvez até enfrentar o terrível Rei de Chifres que está assolando o reino de Prydain. No momento, ele trabalha para o velho Dallben, ele é um cuidador de porcos. Taran vai descobrir que a porquinha Vem Vem é muito especial, ela pode criar visões na água (pode ver o presente e o futuro) e ela sabe onde o caldeirão negro está escondido. O caldeirão tem uma história macabra: houve, há muito tempo, um rei tão cruel que era temido até pelos deuses. Como nenhuma prisão o segurava, ele foi jogado vivo num tanque que derretia ferro. Seu espírito mau ainda vive na forma de um grande caldeirão negro. Com esse caldeirão, o Rei de Chifres pode conquistar o mundo. Agora que o vilão sabe sobre Vem Vem, Taran é obrigado a sair de casa e se esconder com a porquinha na floresta, onde, mais tarde, ele encontra o pequeno Gurgui (ou você ama ou você odeia esse bichinho).

 

O filme explorou muito pouco a história da princesa Ilone (Eilonwy no original). Ela foi sequestrada pelo Rei de Chifres. Ele pensou que o ''emblema'' dela (uma esfera mágica que brilha) poderia lhe mostrar onde está o caldeirão negro. O emblema é como um pet da princesa, tem vontade própria. Mas passa boa parte do filme esquecido, talvez no bolso dela, sei lá. Ilone conseguiu escapar de sua cela no castelo do rei e vaga pelas masmorras e porões. É assim que ela encontra e resgata Taran. Mais tarde, eles encontram a tumba do rei que construiu o castelo e Taran consegue uma espada mágica.

 


Flores Flama (Fflewddur Fflam no original, tenta pronunciar isso) é um menestrel bem azarado. Ele carrega uma harpa mágica, cada vez que ele conta uma mentira uma corda da harpa se rompe, e é só isso que ela faz. Taran e Ilone encontram Flores nas masmorras e os três conseguem fugir do castelo. Esse personagem teve muitas sequências excluídas do filme.



O filme não fala muito sobre o Rei de Chifres. Sabemos que ele tenta conquistar o reino. Ele tem um exército, dois dragões, seu principal lacaio é um duende atrapalhado (um alívio cômico em poucos momentos) e a água pode queimar seu rosto. Com o caldeirão ele pretende trazer de volta à vida seu antigo exército, eles são apenas esqueletos no subterrâneo do castelo. Com um exército de mortos vivos ele seria invencível.
 

 A PRODUÇÃO

 PROBLEMAS DESDE O COMEÇO


Estamos na segunda geração de animadores do estúdio e Don Bluth é chamado por muitos de ''o novo Walt Disney da animação''. Bluth deixou a Disney abruptamente e levou outros animadores descontentes com ele (juntos, eles criaram animações como ''A ratinha valente'', ''Um conto americano'', ''Todos os cães merecem o céu'' e ''Em busca do vale encantado'' ao longo dos anos 80). O departamento de animação recebeu novos líderes que queriam pôr ordem na casa, aí surgiu a terceira geração de animadores (entre eles, o jovem Tim Burton e o jovem John Lasseter). Esses novos animadores não estudaram com os animadores da primeira geração, que já estavam se aposentando, eles estudaram no instituto de artes da Disney na Califórnia, eram os primeiros CalArts. O filme do ''Caldeirão mágico'' era um projeto ambicioso. Antes de dar início a essa produção, era preciso testar o talento dos novos animadores (e também dos antigos, isso irritou muitos artistas), então, escolheram adaptar ''Bernardo e Bianca''. Após ''B&B'', Ron Miller (CEO do estúdio e genro de Walt Disney) decidiu que os animadores já estavam prontos. Mesmo assim, o ''Caldeirão'' foi colocado em modo de espera. Don Bluth, que já havia começado a trabalhar na pré produção, não ficou satisfeito. Ron descobriu que Don e outros animadores estavam trabalhando num projeto secreto (um teste de animação) e viu nisso uma traição. O ''Caldeirão'' foi colocado de lado mais uma vez e o estúdio investiu em ''O cão e a raposa'', porque Ron decidiu que ninguém estava pronto para o filme e ponto final. No meio da produção, Don e alguns amigos, deixaram a Disney (isso atrasou o lançamento de ''O cão e a raposa'' em seis meses).


 MAIOR, MELHOR, MONUMENTAL
 
 
A produção do ''Caldeirão'' começou em 1980. Acreditaram que seria possível fazer o filme com 5 milhões. Já que se trata de um épico medieval, que tal fazer o filme em widescreen? (um processo caro feito pela última vez em ''A bela adormecida''). Também surgiu a ideia de fazer o filme em 3D com hologramas, mas mudaram os planos no meio do caminho por conta do custo (ainda podemos ver alguns esqueletos com sombras no filme finalizado). Eles queriam um visual novo, porém consideraram o traço do Tim Burton assustador demais (eles tiraram o rapaz da produção), então resgataram os traços de animações clássicas como Mogli e Alice (e nesse ponto ninguém sabia ainda que o filme seria sombrio demais para crianças). O filme ganhou mais dois diretores, Ron Miller contratou outro produtor, havia um atrito entre animadores da segunda e da terceira geração, um quarto diretor foi contratado e outro foi substituído. 
 

Outra ideia que surgiu ao longo da produção foi a de colocar computação gráfica no filme. Acabaram usando muito pouco. Como essa técnica está sempre evoluindo, o filme seguinte, ''As peripécias do ratinho detetive'', acabou usando muito mais efeitos. Agora, o filme do ''Caldeirão'' já estava gastando 40 milhões. Em parte por conta de muitas sequências animadas que foram reescritas e reanimadas (desde o esboço) a pedido dos 4 diretores. E aí, nesse momento, a roteirista deixou a produção por ''diferenças criativas''. Em 1984 a Disney mudou de mãos e quase foi desmantelada. Dois empresários assumiram o estúdio, Michael Eisner e Frank Wells. O filme ganhou outro produtor. Cenas violentas seriam retiradas mas o estúdio resolveu fazer um teste com a plateia primeiro. Mulheres e crianças não curtiram, até Roy Disney ficou assustado, era sombrio demais. Decidiram remover algumas sequências e o filme perdeu uns 10 minutos. Isso gerou uma briga interna entre os produtores e novas sequências foram criadas. A data de estreia do filme passou de 1984 para 1985.


NÃO É PARA TODA A FAMÍLIA


Após cinco anos de produção, e uma década de planejamento, o filme finalmente estreou (mas não ganhou uma classificação livre). Ainda era assustador demais para o padrão Disney, nem sequer tinha canções. Após duas semanas em cartaz, deixou a lista dos filmes mais vistos do verão norte americano. O filme não agradou ao público e dividiu os críticos. Alguns diziam que era sombrio demais, outros diziam que era o melhor filme da Disney porque não se parecia com um filme da Disney. Foram gastos 45 milhões, era a animação mais cara até então. O pior de tudo foi ter faturado menos que o filme dos Ursinhos Carinhosos. ''As grandes aventuras de Pee Wee" (dirigido por Tim Burton) acabou sendo um dos filmes mais vistos naquela temporada.

 

A SEGUNDA TENTATIVA


A Disney lançou o filme novamente nos cinemas em 1990. Primeiro fizeram um trailer mais animado e colorido, colocando as fadinhas na tela. E também usaram um poster alemão de 1985, mais animado e colorido. E agora o filme se chamava ''Taran e o caldeirão mágico''. Investiram até em merchandise. Mas tudo foi abandonado porque fizeram um teste com uma plateia, antes da estreia, e as reações foram bem negativas. O nome de Taran ainda aparece no título do filme em alguns países europeus.

 

 NA LOCADORA MAIS PRÓXIMA, ALUGUE HOJE MESMO

Quando aconteceu a explosão do vídeo cassete, a Disney lançou o vhs de Pinóquio e vendeu horrores. Então eles começaram a lançar e relançar todos os clássicos, foi uma mina de ouro. Todos ... menos o ''Caldeirão mágico'', a Disney estava apagando o filme da existência. Foi apenas em 1998, 13 anos após a estreia do filme, que o vhs foi finalmente lançado. O trailer do vhs era cheio de ação. O filme caiu no gosto de uma nova geração e se tornou um clássico cult, venderam mais de cinco milhões de fitas. Foram 150 milhões de dólares para os cofres da Disney (13 anos depois, o filme se pagou). Ele foi um fracasso em sua época, mas abriu caminho para a Era da Renascença do estúdio.

 

OS CORTES


É impossível dizer qual é o conteúdo daqueles dez minutos cortados. Nem adianta pedir um Snyder cut, muita coisa foi parar no lixo. Mas a gente encontra os storyboards originais na internet. Fazendo uma comparação com a edição final, não sabemos como explicar certos cortes. Vendo o filme, você nota coisas estranhas como personagens que, de uma cena para outra, vão parar em pontos diferentes do cenário. Uma caminhada do ponto A para o ponto B foi retirada do filme por alguma razão. Por exemplo, quando Taran luta contra o cara do machado e descobre que a espada é mágica, ele está no meio do corredor e mais tarde está encostado na parede. Cenas que foram refeitas também são evidentes em cenários que mudam de cor de uma tomada para outra.


Quando os mortos vivos se levantam, eles avançam sobre um soldado. O pobre coitado começa a se desintegrar até virar um esqueleto (no filme não vemos nada, na HQ os soldados apenas fogem do local). Esse corte a gente entende. Quando os heróis conseguem o caldeirão negro das bruxas, eles tentam destruí-lo com paus e pedras. Até na HQ eu vi isso. No filme eles não fazem nada ...  e, no segundo seguinte, após a aparição do caldeirão, os personagens estão bem longe dele. Pode-se notar que havia sim uma sequência onde eles tentam destruir o caldeirão. As bruxas voltam em seguida, rindo muito, e dizem que o caldeirão é indestrutível (por conta do corte, isso não fez sentido). É estranho notar que muitos cortes são reações do tipo ''omg'' do Flores Flama, o corte final não foi muito gentil com o personagem. Quando Taran começa a lamentar a morte de Gurgui, ele cai de joelhos na água e é segurado por Flores que tenta acalmar o rapaz. No filme, a cena é cortada um segundo antes de Taran dobrar os joelhos. Muitos outros cortes como esse fizeram Taran parecer apático.
 

E O LIVE ACTION?

Em 2016 a Disney se tornou dona dos livros (Lloyd Alexander faleceu em 2007), eles já poderiam ter prometido uma série de tv em live action ou uma franquia de filmes. Até agora, tudo que temos é um boato de 2020 sobre um live action da animação de 1985.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que pesquisa bem feita Alessandro!!