19.8.10

DORMINDO COM O INIMIGO

O patrão entrou na video locadora com seu andar autoritário e arrogante, eu quase podia ouvir a marcha imperial de "o império contra ataca" tocando na minha cabeça cada vez que ele fazia sua entrada. Eu estava no balcão com a Aletéia e a Juliana se juntou a nós em seguida.
"Vocês viram a nova locadora de video que abriu ao lado da farmácia?" ele perguntou.
É claro que eu já havia notado aquilo, faz parte do caminho para minha casa. O lugar era enorme como um supermercado. Tinha umas mini janelas com posters de filmes e um nome bem futurista em letras futuristas, estacionamento para clientes na frente e uma enorme porta de vidro. Mas estava bem próxima a nossa locadora, as intenções eram bem claras, "vamos acabar com vocês".
O patrão pediu que um de nós fosse até lá para espionar o lugar e ver como eles trabalham e tal.
No meio da tarde eu fui até lá.
A primeira coisa que notei foi o ar condicionado, passei pela porta e fui atingido pelo ar frio. Legal, em nossa locadora tínhamos dois ventiladores no alto das paredes e nenhum de nós alcançava os interruptores.
Nós zero eles um.
O lugar era realmente enorme. As estantes eram brancas como o chão e as paredes. Haviam muitas cópias de cada filme. Parei para admirar aquilo e notei algo estranho, as embalagens eram estranhas, as fotos eram mais escuras.
Xerox colorido, já tinha ouvido falar disso, era caro mas existia. Eles estavam fazendo cópias dos filmes em fitas virgens e colocando-os em caixas com o rótulo xerocado. Podíamos fazer isso também? não seria ilegal?
Uma funcionária se aproximou de mim.
Hunf, uniformes, uniformes... com o nome da locadora estampado. Aletéia pediria demissão se o chefe nos obrigasse a usar uniformes.
Então era tipo assim, a funcionária nos vê e se apresenta para recomendar filmes. Eu apontei para uma fita e ela me disse "ah esse filme é muito bom", apontei para outra fita e ela disse "esse filme também é muito bom".
Fiquei na tentação de apontar para o extintor de incêndio na parede ao lado para ver se ela iria dizer "esse filme é muito bom" também. Eu não me lembro quais eram os filmes que eu apontei naquele dia mas me lembro que eram verdadeiras drogas. Tava na cara, esse pessoal sequer assistia aos filmes que estavam ali à mostra.
Nós 1 eles 1.
Contei sete funcionários ao todo. Em nossa locadora, naquela época, éramos apenas três: o garoto magricela, a metaleira e a menina "mamãe quero ser freira".
Foi aí que eu o vi.
Era o Pablo, morava no final da minha rua, minha irmã mais velha era apaixonada por ele, alto e lindão, mas chorava por causa de qualquer coisa, apanhava de qualquer menino na escola e ficava ainda mais lindo naquele maldito uniforme.
Bem, ele sabia onde eu trabalhava, correndo o risco de ser descoberto caso ele abrisse a boca eu dei o fora de lá. Voltei para minha humilde locadora e relatei para as meninas tudo o que vi por lá. Estávamos condenados.
"Se essa locadora fechar vamos procurar emprego nessa nova aí", disse Téia.
"Você não ia gostar, te falei que eles usam uniformes?".
"Credo, então vou rodar bolsinha na praça com a Juliana, é o único jeito".
Esse era o tipo de coisa que saía da boca da Téia que a Ju nem se dava mais ao trabalho de lhe dar uma resposta, apenas cruzava dois dedos mostrando uma cruz.
No dia seguinte, folga, encontrei o Pablo na rua.
Eu estava com tesão e o chamei para ver um filme em casa (faz parte do plano mestre). Minha família havia viajado e, embora eu fosse menor de idade, me deixaram sozinho em casa por uma semana. Tudo bem, minha avó morava na casa ao lado e ficaria de olho em mim (mas não o tempo todo).
Eu já podia ver minha locadora fechando as portas em breve. Pensei em procurar trabalho nessa nova loja, afinal eu era bem mais qualificado que a moça do "filme muito bom" para trabalhar ali. Estava contando com a ajuda do Pablo para me colocar lá dentro porque:

a) ele estava apaixonado por mim e
b) ele estava apaixonado por mim porque tirei sua virgindade.

Após o sexo tentei conversar com ele sobre isso e ele me disse que trabalhar lá era um saco, ele mesmo já estava pensando em pedir demissão. Falou tão mal do lugar que eu voltei atrás no meu plano.
Um mês depois, um único mês de funcionamento, e a nova e futurista locadora fechou as portas.
Sim, era ilegal fazer cópias de filmes e eles foram pegos com a mão na massa pelo que ficamos sabendo.
Pablo se transformou no terrível "gay chiclete" que queria matar até a minha sombra porque ela passava mais tempo comigo do que ele. Felizmente, com o divórcio de seus pais, ele se mudou da rua no mesmo ano. Por um bom tempo nossa locadora reinou solitária no bairro.

11 comentários:

ALESSANDRO SKYWALKER disse...

O autor desse blog se dá ao luxo de usar fotos do seriado True Blood para ilustar as postagens sem dar maiores explicações, bem, simplesmente não consegui pensar numa dupla melhor de inimigos, afinal estou numa maratona do seriado, em dois dias vi 10 episódios...

Vasconcelos disse...

"afinal estou numa maratona do seriado, em dois dias vi 10 episódios..."

Eu sei que isso vai soar repetitivo, mas... QUEM TE VIU QUEM TE VÊ, HEIM?

Afora isso, cara, daqui a 3 anos, posso publicar um livro com os teus contos?

Posso representar pelado neles?

George disse...

me fez lembrar dos filmes, bem cheio de segundas intenções rss. ate imaginei as cenas.
voce ainda trab em locadora?
abrçs

Juan Pablo disse...

E então?
O que esta achando de True Blood?
Pena que não deu certo entre vc e Pablo...

ALESSANDRO SKYWALKER disse...

oi vasconcelos

meus "contos" são fatos reais e raramente me dou ao trabalho de mudar os nomes das pessoas envolvidas, aí é complicado

ALESSANDRO SKYWALKER disse...

oi george

abandonei o emprego quando tinha 17 anos

ALESSANDRO SKYWALKER disse...

oi juan

true blood tá bem legal mas o Pablo era um saco, muito grudento, na época eu não estava afim de um namoro sério

Vasconcelos disse...

Ah, então te representar pelado pode, né?

Anônimo disse...

Ah, adoro suas histórias...

Psicodrama disse...

""Pablo se transformou no terrível "gay chiclete" que queria matar até a minha sombra porque ela passava mais tempo comigo do que ele.""
HAHAHHAHAHAHHAHAHAHA RACHEI NESSA PARTE... ADOREI E USAREI COM ALGUEM HAHAHHAHA

Wellvis disse...

Hahaha, ri muito.

Me lembrei de quando eu trabalhava na 100% video, em Sao Paulo, ha uns bons 10 anos! mas esta história é real?

Venho sempre aqui, mas essa é a primeira vez que comento. adoro o blogue.

abraços