ESTÁ SOBRANDO UMA MULHER

Ela se chamava Gisele Hey Hey, bem, a gente a chamava assim, porque ela se parecia com aquela mulher do 4 Non Blondes ("I said hey! what's goin' on?", tá ligado?) e ela adorava cinema, Alessandro e pipoca. Na escola a gente conversava muito sobre filmes. E quando a gente fazia isso na sala de aula era um problema, Gisele Hey Hey tinha um tom de voz beem alto. Uma professora a repreendeu certa vez: você quer conversar? Tudo bem. Mas fale baixo.

E ela estava sempre me convidando para ir ao cinema. E eu estava sempre inventando uma desculpa. Eu não poderia topar, sei que, para ela, isso significaria um "encontro", ela estava sempre dizendo para as amigas que, algum dia, se casaria comigo. Fazia isso também em voz alta, o Alessandro vai ter que lidar com isso uma hora ou outra. Ele já sabe o que eu sinto, agora ele que dê o próximo passo.

Depois de um tempo, ela parou com os convites, e foi parando com tudo, achei que estava desistindo. Mas aí, a Vivian, a amiga, veio me contar que Gisele Hey Hey estava namorando, ela queria, na certa, ver a minha reação. 

Alessandro = indiferente.

Ah, ela quer provocar ciúmes?

Pobre Gisele Hey Hey, não sabe que eu sou gay.

Num domingo qualquer, fui ao cinema. Vi a Gisele Hey Hey na fila e, antes que eu pudesse... Oi Alessandro, você por aqui?

Essa não, qual é a pior coisa que pode acontecer dentro da sala?

a) Ela pode tentar pegar na minha mão.

b) Ela pode tentar pegar no meu pênis (ela tentou isso certa vez na escola).

c) Ela vai falar tão alto durante a sessão que eu não vou conseguir ouvir nem o rugido do tiranossauro rex (e haviam dois no filme).

Mas aí ela me mostrou que estava com o namorado. Seu nome era Paulo. 

OI PAULO, mas que pedaço backstreet boy de mau caminho é você? 

Vou ligar o radar.

Hetero, droga.

Começamos a conversar e ele me disse que queria estar em casa jogando Sonic & Knuckles.

Fã do Sonic?

Esse pode ser o começo de uma bela amizade.

Blá blá blá, chegou no final? blá blá blá Robotnik, blá blá blá tem mais uma fase, blá blá já pegou todas as esmeraldas, já fez uma conexão com Sonic 3? Blá blá.

Entramos no cinema conversando, ele queria saber tudo sobre a fase final, Doomsday. Sentei na minha poltrona de sempre (no centro geográfico da sala, sim, sou meio Sheldon Cooper) e, de repente, vi o Paulo se sentar ao meu lado, arrastando a Gisele com ele.

Depois que o filme acabou, mais papo de game. Sinto muito Gisele, mas quando o assunto é homens e video games, não cabe uma mulher no meio.

Aí ele me convidou para ir até a casa dele. E foi assim durante vários meses, quase um ano. Um visitando o outro com um cartucho e um joystick embaixo do braço. Realizamos grandes feitos juntos (coisa de gamemaníaco). Um dia resolvi perguntar sobre o namoro dele com a Gisele Hey Hey, ela não se importava com o fato dele passar os domingos na minha casa?

- Hã? Quem? Ah tá. Não a vejo desde aquele dia no cinema.

Pobre Gisele Hey Hey, acidentalmente, um namorado seu eu roubei.

- Por falar em cinema, Mortal Kombat 2 vai estrear na semana que vem, vamos ver?

Nenhuma novela mexicana faria melhor. Gisele Hey Hey estava no pedaço. E ela nos viu juntos na fila do cinema. Na segunda feira, fui abordado pela Vivian na escola.

- A Gisele está na fossa. Está dizendo que você e o Paulo se "transformaram" (as aspas são minhas) em gays por causa dela. Agora ela acha que nunca mais vai arrumar um namorado e que vai morrer sozinha.

Pobre Gisele Hey Hey,  está triste porque eu me "transformei".