O CONTO DO COELHO

Depois de juntar uma pequena fortuna meu pai conseguiu comprar uma filmadora, grande como uma caixa de sapatos e bem pesada, ficar com ela apoiada nos ombros te deixava dolorido. Apesar de filmar em cores numa fita de vhs o trambolho só reproduzia as filmagens na tv em preto e branco. Assim não tinha graça, era preciso comprar um video cassete, mas apenas pessoas ricas podiam comprar um. No fim a enorme câmera serviu apenas para duas finalidades, fazer filmes com "efeitos especiais", algo que descobri usando o botão "pause", e humilhar a família, sabe quando sua mãe mostra o seu album de bebê para as visitas? em tape é mil vezes pior.
Num belo dia o video cassete chegou e pudemos ver todas as fitas, até os videos caseiros, argh, em cores. Foi aí que surgiu a primeira video locadora do bairro e eu comecei a alugar de tudo. Mas aquilo que eu mais desejar ver era o filme "uma cilada para Roger Rabbit", eu o havia visto nos cinemas e estava doido para revê-lo. A locadora recebeu uma única cópia do filme, sendo um lançamento havia muita gente atrás dele. Todos os dias eu ia até a locadora e perguntava pelo filme. Um dia resolvi esperar por ele até a hora de fechar. Minha mãe me mataria na certa. Fiquei andando pela locadora durante horas, esperando o filme ser devolvido. Já que se tratava de um lançamento eu deveria devolver a fita no dia seguinte, não teria muito tempo com o filme mas não estava ligando para isso, ia voltar para casa, indo diretamente para a cama, mas com o filme nas mãos.
Então o sol se foi e as horas foram passando, comecei a ficar apavorado, tipo, 9 da noite? se estivesse em casa já estaria dormindo, eu estava avançando por um território desconhecido para qualquer criança e ainda tinha que voltar andando de volta para casa naquela escuridão toda.
Comecei a pensar se o filme valia tudo isso, andar no escuro e tal. Faltavam poucos minutos para a locadora fechar as portas quando dois adultos entraram. Um deles devolveu o filme e o outro o pegou na mesma hora, fiquei doido de raiva com o velho no balcão que sabia que eu estava lá , há horas, esperando pelo filme. Voltei pra casa tremendo de frio e de medo, meio que correndo. Levei aquilo para o lado pessoal e no dia seguinte disse na loja que não pegaria mais filmes lá, e eu era, tipo, o melhor freguês deles. Na semana seguinte consegui alugar o filme em outra locadora, mais distante de casa, na cidade ao lado, e eles tinham muito mais cópias por filme. Devo ter visto a fita dezenas de vezes, por um tempo não alugava outra coisa além desse filme. Ontem refiz o mesmo caminho monstruoso, tarde da noite, partindo do local onde antes ficava a locadora. Voltando da farmácia me lembrei daquela noite arrepiante em que eu pensava: estou arriscando minha vida por um filme, nunca mais farei uma coisa como essa de novo. Ah mas eu fiz, várias e várias vezes. A moral da história? não existe "moral da história" na vida real...