3.8.11

COMO SE TORNAR UM CRÍTICO DE CINEMA

Eis uma atividade quase tão ruim quanto o jornalismo e não é a toa que muitos jornalistas exercem essa função. Só mesmo alguém que tenha passado pela faculdade de comunicação social poderia exercer tão cruel função. O crítico de cinema tem o trabalho de assistir vários filmes e dizer se gosta deles ou não. Para isso normalmente eles usam seus conhecimentos em linguagem cinematográfica, e os mais metidos fazem uso de todas as ciências humanas existentes para explicar os filmes que ele gosta.

Certo que nem sempre é isso o que acontece. Para se ser crítico de cinema não é preciso entender muita coisa de cinema, e às vezes não é preciso nem assistir nenhum filme. Basta seguir algumas regras para se tornar um crítico conceituado. Claro, você pode seguir o caminho de críticos Pop, que falam bem até de 300, por exemplo, mas ai, você não terá o reconhecimento, não poderá freqüentar as rodas de intelectuais com a cabeça erguida.

Primeiro, é de bom grado que você tenha feito algum curso na área de comunicação e artes. Se for na ECA da USP, melhor ainda. E ainda na sua formação, ajuda se você tiver feito um, talvez até dois filmes na carreira. Os filmes claro deverão ser chatíssimos e com uma fotografia absolutamente inovadora, que dê dor de cabeça em quem tentar assistir. Descreva-o como “moderno demais”, “uma mistura de Cidadão Kane com Deus e o Diabo na Terra do Sol”. E claro, os filmes devem ter um nome fantástico como “Isolado na multidão” ou uma metáfora sem sentido, mas que pareça ser genial.

Claro que você pode criticar sem ser um cineasta fracassado, mas isso irá dificultar em muito sua reputação. Se você tiver feito o filme, na hora em que alguém ler uma crítica sua e outra pessoa perguntar “quem fez” poderá responder “é, um cara ai que fez um filme, Isolado na multidão, a história de um imigrante nordestino que vai para São Paulo, onde consegue algum dinheiro a base da prostituição, mas mesmo assim não se sente realizado. Um professor meu de cinema passou uma vez”.

Mas certo, vamos a parte das análises. Você deve criar um sistema de classificação. Pode ser à base de ovelhas, um anagrama do seu sobrenome, tanto faz. Mas, a título de exemplo, usaremos as estrelas. 0 estrelas para os ruins e 5 estrelas para os bons.

Então tá. Primeiro, todos os filmes feitos nos anos 2000 merecem 0 estrelas. 1 estrela para filmes dos anos 1990, 2 para os anos 1980, 3 para os anos 1970, 4 para os anos 1960 e 5 para qualquer filme feito antes e durante a década de 1950. Esta é a base inicial.

Filmes americanos nunca ganham estrelas a mais, a não ser que seja um filme americano que critique os costumes americanos. Em compensação, quanto mais longe o país do filme for dos EUA, mais estrelas ele ganhará. Um filme canadense ganha meia estrela, um brasileiro ganha uma. Um filme iraniano ganha mais 4. Procure pelo filme no google, menos resultados, mais estrelas. Se o filme estiver passando em mais de duas salas de cinema, comece a tirar estrelas. Se for um filme francês, búlgaro, esloveno, passando em mais de duas salas de cinema, ou, pior ainda, em uma sala de cinema convencional, detone-o. Dizendo algo como “a Croácia que sempre nos presenteia com belos filmes, dessa vez apresenta um filme convencional, uma clara tentativa de tentar fazer cinema americano nos Bálcãs”.

Veja a sinopse do filme e os atores que participam. A cada ator que você conheça o nome, retire meia estrela. Com essa fase prévia de avaliação, você já pode publicar suas análises. Mas, se você quiser, você pode realmente ver os filmes. Dará-lhe trabalho, poderá lhe dar mais análises e talvez mais reconhecimento, mas é muito mais arriscado. Você pode correr o risco de começar a entender do assunto.

Certo, você está lá para assistir o filme. Se o cinema for difícil de ser encontrado, o filme ganha mais estrelas. Quanto menos pessoas no cinema, mais estrelas para o filme. Se alguém rir em algum momento do filme, tire uma estrela. Se você rir, retire todas as estrelas. Cada vez que aparecer uma pessoa correndo, retire estrelas. Observe a fotografia. Se ela for exótica, merece cinco estrelas apenas por isso. Se o diretor usar apenas roxo e alaranjado, filmar apenas as orelhas das pessoas. Se o filme, por exemplo, tiver tons amarelados, e com excesso de iluminação, que chegue a doer os olhos, escreva algo como “O filme tanto esteticamente, quanto em seu conteúdo, impacta. O espectador sai do cinema nocauteado, como se tivesse levado um soco no fígado”. Aliás, lembre-se, o boxe é o único esporte que pode ser praticado impunemente nos filmes.

Observe as longas cenas de silêncio. Como, uma cena em close nos olhos do ator, durante 18 minutos, sem mostrar mais nada em volta. Se alguém dormir durante o filme, adicione estrelas. Se você dormir no filme, adicione cinco estrelas. Diga que é a cena mais reflexiva do cinema contemporâneo. Quanto mais flash backs, quanto mais cenas sem explicação, enfim, se você sair do cinema sem entender nada, o filme é ótimo. Mas é claro, alerte que talvez muitas pessoas não conseguirão entender o filme. Se o filme te der vontade de virar o rosto, de tão ultrajante, se você sentir vontade de vomitar, ou, consumar o ato, mais estrelas para o filme.

Bem, isso já é o suficiente para criticar um filme. Mas lembre-se de algumas outras coisas:
- Filmes com cenas de estupro são bons e chocantes.
- Filmes com cenas de um homem sendo estuprado são ainda melhores e ainda mais chocantes.
- Closes do toba, vulgo ânus, tornam um filme cult.
- Filmes brasileiros nunca serão melhores do que os argentinos.
- Filmes ganhadores do Oscar nunca serão realmente bons.
- Filmes ganhadores do Leão de Cannes, do Urso de Berlin, do Ornitorrinco prateado de Adelaide, são ótimos.
- Consumo de drogas tornam o filme realista.
- Armas só podem ser usadas para suicídios. Mas os suicídios devem ser de maneira mais dramática, cortando os pulsos.

Agora, você já está pronto para criar seu blog de críticas cinematográficas.

Fonte: blog CH3, vale uma visita.

4 comentários:

ALESSANDRO SKYWALKER disse...

Andei lendo muitas críticas ruins por aí.
Críticos que condenam certos filmes baseados em desenhos, livros, games, gibis, etc, que eles nunca viram na vida. Aí começam a questionar tudo. Se não são fãs do material original deveriam tirar suas dúvidas com fãs verdadeiros ao invés de condenarem uma adaptação que "não explicou nada a respeito de...". Agora encontrei esse texto de "como se tornar um crítico" na blogosfera, e concordei com todas as verdades nele apresentadas. Como esse pessoal é preguiçoso não? eu sempre vou atrás de um livro, gibi, game, seriado, etc quando fico sabendo de uma adaptação que está por vir, eu tento ser justo aqui, e acabei aprendendo muita coisa com o meu próprio blog, ainda mais quando faço pesquisas para as edições especiais. Caraca, depois dessa, se alguém me chamar de "crítico de cinema", vou ficar ofendido.

Marcelo Doni disse...

Tbm adorei texto, ainda bem que temos bloqueiros de cinema como você (concordando e discordando de algumas coisa que você cita como filme Rio rsrr...)

Eduardo Domingues disse...

Saquinho de pipoca X 10

Gosto de ler sobre cinema, seu blog é o numero um das minhas listas de feeds. Quando um post / titulo se inicia com "CRITICA:" eu faço questão de pular. Todas se parecem, todas compara, é exatamente a formula desse post.

Anônimo disse...

otimo texto!