14.9.16

O BEIJO


E aí o cara entrou em contato comigo e disse: vem aqui, estou sozinho. Bem, eu também estava sozinho, era quase meia noite e não havia problema algum em sair de casa na calada da noite, era noite de ano novo. Haviam pessoas circulando na frente das casas, haviam festinhas. Beleza, vou entrar no próximo ano fazendo sexo. Mas havia um porém.

Eu cheguei na casa do Emerson com um certo atraso, errei o caminho. Ele estava no portão esperando por mim. Não estava tão sozinho quanto gostaria de estar no fim das contas. Seu pai ainda estava na casa. O Emerson ficava num quarto separado, do outro lado do quintal. Era preciso fazer uns movimentos tipo ninja, passar pela casa do velho sem fazer ruído algum e entrar no quarto. Fizemos tudo direitinho. Tiramos a roupa e pulamos na cama. De repente, uma multidão de vozes lá fora. Alguns parentes do Emerson estavam dando uma passadinha para desejar feliz ano novo. 

Ele se vestiu em poucos segundos, comecei a fazer a mesma coisa mas ele me disse para apenas me esconder atrás da porta - ninguém vai entrar aqui, ele disse. Ele saiu e foi cumprimentar os parentes. Uma das crianças se esquivou e entrou no quarto, começou a correr pra lá e pra cá. Eu adoro crianças, se o pivete passar correndo por aqui novamente eu vou esticar o meu pé. Ele estava parado agora, de costas pra mim. Se ele se virar um pouquinho, vai ver um cara nu, com algumas roupas nas mãos, cobrindo as partes íntimas, atrás da porta. Ele vai gritar? (se fosse eu, o efeito seria apenas um click no cérebro tipo opa, sou homossexual). Puxei a porta na minha direção e me espremi ao lado do guarda roupas, um espaço triangular tão pequeno que tive que ficar na ponta dos pés.


Aí levei um susto, começou a gritaria, os fogos, as buzinas, era meia noite. Em algum lugar, as famílias estavam se abraçando. Haviam mesas fartas. Crianças brincando. Milhares de pessoas reunidas numa praia vendo um show de fogos. Mó festão. Em algum lugar. Mas não aqui. Eu agora estava sozinho no quarto, nu, atrás da porta. Eu nunca liguei pra esse negócio de passagem de ano, mas aquilo tava me contagiando naquele momento. Eu me senti sozinho e carente. Se eu tivesse um namorado, a gente poderia estar se beijando agora...

Aí pensei no Emerson. A gente poderia namorar? O que eu sei sobre o cara? A gente só se encontra pra fazer sexo e depois tchau. Ah, não. Ouvi o pessoal indo embora. Comecei a me vestir. Perdi a vontade. Voltei pra casa no automático. Meio deprimido.

Nove anos depois.

O Anselmo tá aqui comigo e logo logo a gente vai entrar em 2016. Já estamos na cama, eu tenho sono leve, sei que vou ser acordado pelos fogos quando der meia noite. O Anselmo também vai acordar, e aí a gente vai se beijar. Por alguma razão (eu acho que a crise econômica afetou os vendedores de fogos, ou, toda a cidade resolveu migrar para o litoral) eu não ouvi os fogos, eu dormi como uma pedra a noite toda.
Quando abri os olhos já era de manhã, levei um susto. E o beijo da meia noite? Nós o perdemos. Ah, que bobagem. Quando me virei, vi o Anselmo dormindo ao meu lado. Esse foi o meu começo de ano. A gente pode se beijar em qualquer horário, em qualquer outro dia. Não estou sozinho. É isso que conta.

7 comentários:

  1. Adoro suas histórias. Só um detalhe que vai melhorar ainda mais o nosso prazer de ler essas paradas: o verbo haver não vai para o plural. Então o certo é "havia pessoas circulando." "Havia mesas fartas". Sei que passei atestado de chatice mas o seu blog é lido por muita gente. Então achei que seria um serviço dar essa dica, ok?

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  2. Nhé, nós teremos outras oportunidades juntos.

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  3. Vai passar o resto do ano dormindo junto dele. Quer melhor? ahhaha

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  4. Adoravel descrição do que é um relacionamento! As pequenas coisas contando tantas histórias quanto os grandes eventos! Eu tb não curto muito o ano novo, sou mais fissurado em natal!

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