6.1.18

O LIVRO DA MÚMIA


Essa semana, o vizinho aqui ao lado começou a quebrar uma parede, ele está fazendo umas reformas na casa. O velho não sabe, mas nos anos 1980, quando a casa do cara começou a ser construída num, até então, terreno vazio e cheio de mato, eu explorei o pedaço com minhas irmãs.

Fim de tarde, a gente entra na casa através de um buraco na cerca. Existem apenas paredes, o lugar parece um labirinto. Minhas irmãs querem brincar de casinha ali. Em um dos (futuros) cômodos os pedreiros depositaram centenas de tijolos. Minha irmã mais nova inventou que os tijolos eram livros e aquela sala era a biblioteca dela.
Havia um tijolo deformado ali no meio, com defeito de fabricação talvez. Era mais grosso que os demais, mais pesado também. E tinha um relevo estranho em cima, parecia um homem deitado numa cova rasa. Aí eu disse - esse é o livro da múmia. Minhas irmãs tocaram no livro e despertaram a criatura. Eu corria pela casa atrás das duas, arrastando um dos pés e gemendo. 

Numa noite de domingo, depois de uma tarde inteira de brincadeiras na obra (conhece algum empreiteiro que trabalha nos fins de semana?), minhas irmãs voltaram para nossa casa. Eu tinha outros planos, meu vizinho bonitinho, alguns meses mais velho que eu, estava comigo. A gente entrou na obra e nos escondemos no último quarto lá nos fundos. A nossa brincadeira ''mostra o seu e eu mostro o meu'' havia evoluído para ''pega no meu e eu pego no seu''. Mas naquela noite eu queria algo mais, eu queria um beijo na boca.
De repente um barulho. Ele se assustou. E eu disse - fica aqui, vou dar uma olhada.
Até hoje não sei dizer como consegui segurar um grito. No primeiro segundo eu estava vendo uma menina fantasma, andando pela casa, com uma boneca nos braços. No segundo seguinte notei que se tratava da minha irmã mais nova, ela havia voltado (para brincar sozinha, ou seguiu a gente). Vi que ela carregava também o livro da múmia.
Ah, então ela quer brincar de filme de terror né? Peguei algumas pedrinhas e joguei para o alto, elas caíram em outros cômodos. Minha irmã ouvia sons vindos de todos os lados. Seria a múmia? Ela não ficou na casa para descobrir, eu a vi correndo para a rua.

Fechei o buraco na calçada para não ser mais incomodado e voltei para dentro. Já havia escurecido bastante, tentei me guiar no escuro e bati o pé em alguma coisa. O livro da múmia estava no chão e ele havia machucado meu dedão. A dor era terrível, eu ainda tinha uma unha? Estava sangrando? Sangue meu pingou no livro da múmia? E por falar em coisas duras ...
Voltei pro quarto e descobri que o vizinho havia ido embora. A casa dele ficava do outro lado do muro, era só pular. Malditos pré adolescentes heterossexuais, quando a coisa começa a ficar realmente interessante eles fogem.

Agora fico imaginando, em que parte da casa foi parar o livro da múmia. Será que está na parede que tá sendo derrubada? Ela ficou com o meu sangue, ela se lembra de mim, aguardo uma visita.
 

3 comentários:

Marcelo Doni disse...

e a do vizinho qual foi destino dele ? Alessandro comenta com Anselmo já está na hora de você seriamente em escrever um livro ou roteiro para cinema suas historias são incríveis

ALESSANDRO SKYWALKER disse...

o vizinho casou e se mudou

lançar livro no br não é muito fácil rs

Frazec (vulgo Jean-Philipe Rameau) disse...

Eu gostei do estilo da narrativa: conseguiu manter o ritmo, o suspense e... a excitação, entre múmias e vizinhos, rsrsrs! Ótima história! :-)